‘Uso de Cannabis para fins médicos é um campo em desenvolvimento’
Médico geriatra aprofundou seus estudos a partir de uma experiência familiar e compartilha sobre o Cannabis Medicinal
O Fato & Versão entrevista o médico geriatra Dr. Marcelo Rossi. Além da experiência de quase três décadas de profissão, já realizou em Limeira três seminários regionais sobre Alzheimer e prepara a quarta edição. Vereador entre 2017 a 2020, é autor de várias leis que criam políticas públicas relacionadas ao envelhecimento, promovendo qualidade de vida e autonomia dos idosos. Palestrante, voluntário e colunista, também é idealizador do projeto Idoso Por Um Minuto, que já envolveu mais de mil crianças, adolescentes e jovens das redes públicas e privadas de ensino ao simular experiências e desafios enfrentados cotidianamente pelos idosos. A edição mais recente foi em maio na Associação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas e Idosos de Limeira (Atapil). Motivado pelo interesse de aprofundar seus estudos a partir de uma experiência familiar, compartilha nesta entrevista informações sobre o Cannabis Medicinal, ajudando a elucidar dúvidas acerca de um medicamento promissor.
O que o motivou a ir à Colômbia em busca desse aprendizado?
Antes de responder, faço questão de agradecer pela oportunidade de compartilhar informação com segurança e qualidade para os assinantes da Gazeta de Limeira e Região.
Depois da minha viagem para a Holanda, onde estudei e conheci políticas públicas ligadas ao envelhecimento e à Doença de Alzheimer, ir à Colômbia foi a minha segunda melhor experiência como consultor científico. Tudo começou após a descoberta de um câncer de pâncreas em minha mãe. Após todas as tratativas medicamentosas, a única opção que protelou e melhorou sua qualidade de vida foi o Cannabis Medicinal. Percebi que isso poderia diminuir a dor e a angústia de outros pacientes e seus familiares e tomei a decisão de estudar. A partir dessa experiência teve início meu aprimoramento. Assim, fui convidado a integrar uma delegação composta por 59 médicos brasileiros, das mais variadas especialidades, para conhecer uma fazenda de cultivo de Cannabis até sua industrialização. Na Colômbia, o segundo maior produtor mundial da Cannabis (só perde para o Canadá), o cultivo e a prescrição são permitidos e o país reúne todas as características climáticas para o cultivo de alta qualidade. Essa experiência possibilitou que ouvíssemos colegas compartilharem suas experiências no auxílio de doenças de difícil controle. Nós, médicos, muitas vezes nos sentimos limitados em relação ao tratamento de algumas doenças, pois dentro das diretrizes medicamentosas convencionais, a melhora no quadro muitas vezes é restrita.
O uso da substância Canabidiol (Cannabis Medicinal), pode auxiliar no tratamento de doenças? Quais?
Epilepsia refratária, dor neuropática crônica e autismo são alguns dos exemplos mais eficazes, mas há outras indicações para fins medicinais também. Vale ressaltar que o uso recreativo pode ser muito nocivo à saúde, comprometendo o aprendizado e a memória. Também pode diminuir o desempenho em atividades esportivas e direção de veículo, afetar a tomada de decisões, além de provocar aumento da frequência cardíaca, problemas respiratórios quando ingeridos com a fumaça e transtornos mentais, como depressão, ansiedade, pensamentos suicidas e predispor a doenças como esquizofrenia. Já o seu efeito medicinal, justamente pelo fato de a ciência conseguir separar certas moléculas que compõem a planta, auxiliam muito no controle de doenças específicas.
Como é a ação dela no organismo?
Já temos naturalmente em nosso organismo o sistema endocanabinóide e essas moléculas são parte de uma rede de comunicação no cérebro, chamada sistema endocanabinóide, que é importante para seu desenvolvimento e funcionamento. Portanto, o sistema endocanabinóide é um importante aliado na regulação e equilíbrio de uma série de processos fisiológicos no corpo humano. Entre outras funções, ele oferece as condições naturais para que o organismo se favoreça das propriedades terapêuticas da Cannabis no enfrentamento de uma série de doenças.
Como deve ser feito esse uso? Varia de acordo com a doença?
Costumo dizer que cada paciente é como uma alfaiataria, cada um tem uma medida. O estilo de vida, as doenças preexistentes e evidentemente o diagnóstico, que precisa ser bem elaborado, são peculiaridades fundamentais. Um exemplo típico é a fibromialgia que, na maioria dos casos, é subdiagnosticada. Eu particularmente esgoto todas as tratativas e diretrizes medicamentosas já existentes. Algumas doenças ficam estagnadas, outras o paciente fica muito prostrado e limitado fisicamente, socialmente e mentalmente. Após essas tentativas sugiro, explico e oriento muito bem sobre a possibilidade de usar o Cannabis Medicinal.
Tem percebido, em sua prática, as pessoas buscando por esse tratamento?
Certamente que sim. Graças a profissionais sérios e competentes e, com o auxílio das redes sociais e da imprensa registrando a experiência do uso para com seus familiares a cada dia, a procura e busca por conhecimento por parte dos pacientes tem sido crescente.
Tem percebido que ainda existe o preconceito, mesmo com o avanço das discussões sobre o tema?
Com certeza sim. A palavra “maconha”, “Maria Ruana”, popularmente difundida, criou certa barreira e um desconforto, por estar associada a tráfico de entorpecentes e liberação da droga. Quando você pesquisa países como Israel, Alemanha, Holanda, Canadá, Estados Unidos e muitos outros, eles estão a anos luz em nossa frente. O problema, em minha opinião, é que no Brasil existe uma linha radical que prega a liberação recreativa e medicamentosa. Elas precisam ser debatidas separadamente. Falta também conhecimento por parte de alguns médicos. Confesso a você que sou totalmente contra o uso recreativo. Como médico estudei também os efeitos nocivos e as implicações das drogas na vida das pessoas, além de saber o drama que os familiares de dependentes enfrentam.
Pacientes com Parkinson e Alzheimer podem ter benefícios independentemente do estágio da doença? Ou a tempo indicado?
Particularmente são duas doenças para as quais venho utilizando muito e posso lhe assegurar que a melhora é perceptível. Evidente que nas fases iniciais da doença a sobrevida e a qualidade de vida do paciente é notória. Não podemos criar a falsa impressão de que melhora a memória ou o tremor, mas com certeza melhora a socialização do paciente, a agitação, os quadros alucinatórios, o apetite, a qualidade do sono, assim como a rigidez, marcha e os efeitos colaterais promovidos pelos medicamentos, que passam a ser menos sedativos, diminuindo os seus efeitos colaterais.
O Governador Tarcísio de Freitas sancionou lei que garante o fornecimento gratuito de medicamentos à base de Canabidiol pelo SUS no estado. Acredita que isso ampliará o acesso ao medicamento?
Acredito que foi dado um grande passo e uma abertura para discutirmos o tema. No meio acadêmico e científico a repercussão foi bastante positiva. O Governador demonstrou muita sensibilidade e atenção aos pacientes que se beneficiam com o uso da Cannabis.
Algo que considere fundamental ressaltar e que não tenha sido questionado?
O uso de Cannabis para fins médicos é um campo dinâmico e em desenvolvimento e a regulamentação de seu uso medicinal é um processo contínuo no Brasil e no mundo. Vivencio em meu consultório cada novo caso que inicio uma melhora significativa não só na qualidade de vida do paciente, mas também para os familiares. Os produtos à base de Canabidiol, aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem ser comprados em qualquer farmácia ou drogaria do Brasil. Vale lembrar que, assim como outros medicamentos controlados, o Canabidiol não pode ser vendido sem receita médica. A origem do produto tem que ter procedência e qualidade como qualquer outro medicamento. Quando desejamos concentrações ou associações com outras moléculas recorremos a importação do produto. Seu uso deve ser prescrito por médico experiente e qualificado. Infelizmente existem pessoas oportunistas, sem preparo, mal intencionadas e sem conhecimento, prescrevendo o medicamento de forma indiscriminada e como se fossem a solução para muitas doenças. Seu mau uso e prescrição podem ser prejudiciais à saúde.
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