‘Burnout é uma síndrome resultante do estresse crônico de trabalho’
Resultante do estresse crônico de trabalho que não foi gerenciado com sucesso, o Burnout é uma síndrome que tem crescido no Brasil e no mundo, conforme apontam pesquisas sobre o tema. A psicóloga Flavia Traldi de Lima pontua sobre os sintomas e características e sobre o papel das organizações dentro deste contexto. Flávia também é Mestre em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (FCA/UNICAMP) e Doutora em Educação (FE/UNICAMP) na área de saúde mental e trabalho. Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.
O que é Burnout?
Burnout é uma síndrome resultante do estresse crônico de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. A palavra tem origem na língua inglesa, sendo composta por ‘Burn’ que significa ‘queimar’ e ‘Out’ que indica algo que está completamente esgotado. Portanto Burnout está associado a uma vivência profissional em que a pessoa está desgastada, perde a energia e se encontra em estado de exaustão. Por isso também Burnout é conhecida como a Síndrome do Esgotamento Profissional. Importa considerar que em 2022 o Burnout foi reclassificado na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), guardando a relação da síndrome com o contexto de trabalho.
Como identificar quando se está passando por isso?
A Síndrome de Burnout apresenta um conjunto de sinais e sintomas específicos, de modo que é caracterizada por três dimensões: sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia, aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou insensibilidade relacionados ao próprio trabalho e redução do desempenho profissional. Em outras palavras, a pessoa apresenta sentimentos de fracasso e insegurança, negatividade constante, sentimentos de derrota e desesperança, sentimentos de incompetência. É a perda de sentido do trabalho. Existem também sintomas inespecíficos que podem estar associados à Síndrome, como insônia, fadiga, irritabilidade, tristeza, alteração do apetite, apatia, ansiedade, pressão alta, dor de cabeça, dores musculares, alteração nos batimentos cardíacos e outros. A Síndrome de Burnout, portanto, é uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos físicos e emocionais para o trabalhador e práticos para o trabalho. Muitas pessoas confundem Burnout com fadiga ou estresse, mas é importante ressaltar que o Burnout guarda sempre uma relação com o trabalho. Isto é, se refere especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser entendida e aplicada para descrever experiências em outras áreas da vida.
Há um aumento desses casos? Qual seria a causa?
Sim, há um aumento dos casos de Burnout que tem sido visualizado no Brasil e no mundo. Em 2019, a International Stress Management Association (Isma-BR) - associação voltada à pesquisa e desenvolvimento da prevenção e do tratamento de stress no mundo - estimou que 32% da população economicamente ativa sofria de sintomas de Burnout. Em 2021 a mesma organização apontou que 30% dos trabalhadores brasileiros sofriam com essa condição. Quando comparado com outros países no mundo, o Brasil ocupou segunda posição nos casos de Burnout, sendo que o primeiro foi o Japão. As causas do Burnout devem ser analisadas sob a perspectiva laboral. A principal causa da doença é o excesso de trabalho, tarefas sob pressão e dotadas de grandes responsabilidades e ambientes permeados por competitividade, estando associada de maneira mais ampla a formas de trabalho precarizadas e intensificadas.
O que fazer ao se perceber nesse quadro? Que ajudas buscar?
A grande questão do Burnout nesse sentido é que os sintomas surgem de forma gradual, o que pode fazer com que muitas pessoas não percebam que estão desenvolvendo uma síndrome como essa. Também existe desconhecimento sobre os sintomas, o que pode levar ao não reconhecimento dos sintomas e, portanto, a um diagnóstico tardio. Entende-se que é importante buscar apoio profissional assim que for identificado qualquer sinal da doença, pois do mesmo modo que o indivíduo pode apresentar um sintoma isolado, pode também estar vivenciando um estágio inicial do Burnout. É importante ressaltar que embora a Síndrome de Burnout apresente sintomas específicos, cada indivíduo vivencia a doença de maneira estritamente particular, de acordo com a sua história de vida e o trabalho que executa. Por isso, é importante a escuta especializada para identificar um possível diagnóstico. Nesse caso, profissionais que atuam na área de saúde mental, como psiquiatras e psicólogos, são indicados para realizar o diagnóstico do problema e orientar o melhor tratamento, conforme a gravidade de cada caso.
Como as empresas podem atuar para prevenção desses quadros?
Muitas organizações lidam com a questão de maneira estritamente individualizada e, portanto, equivocada. Mudam as pessoas de postos, fazem desligamentos, substituem um trabalhador por outro, promovem treinamentos, organizam palestras sobre o tema, encaminham para serviços médicos ou psicoterápicos. Embora esse tipo de ação possa promover algum benefício a curto prazo, organizações que adotam esse tipo de prática não estão enfrentando as reais causas do Burnout, que tem sua origem no trabalho. Assim, para atuar na prevenção da doença, considera-se fundamental analisar como estão definidos os processos e condições de trabalho. Isso inclui, redefinir as atividades e dinâmicas, a intensidade e frequência das tarefas, os valores organizacionais, o suporte no trabalho e elementos outros que possam estar associados aos riscos psicossociais que levam ao Burnout. Desse modo, entende-se que é fundamental privilegiar ações conjuntas, que considerem indivíduo e organização, para a busca de mudanças nesse âmbito.
Algo que considera importante ressaltar sobre o tema?
Tendemos a tratar de forma inevitável ou esperada que o trabalho seja algo penoso, difícil, estressante. É comum encontrarmos no dia a dia pessoas que tragam em suas falas a relação de sofrimento e trabalho. Essa naturalização pode ser um fator de risco quando discutimos sobre Burnout, justamente pela negligência dos sintomas. O trabalho não deve ser sinônimo de sofrimento. Se o trabalho está doente, como assim pressupõe o Burnout, é preciso que as organizações se responsabilizem por isso e trabalhem ativamente para prevenir essa e outras doenças relacionadas ao trabalho. O trabalho pode e deve ser um espaço para o desenvolvimento pessoal, de prazer e sentido, agindo assim como mediador da saúde. No entanto, em casos em que o indivíduo está adoecido pelo trabalho, é fundamental que possamos agir de forma solidária. Sempre reforço a importância de combater a cultura da culpabilização do indivíduo por estar doente, isto é, de atribuir a responsabilidade ao próprio indivíduo pelos sintomas e consequências do Burnout. Condutas como essas, podem agravar severamente o quadro da pessoa que está vivenciando a situação e impedi-la de procurar ajuda. Ao notarmos comportamentos que possam indicar sintomas de Burnout em pessoas próximas ou colegas de trabalho, é fundamental que possamos oferecer suporte para auxiliar na busca por ajuda especializada. Com mudanças organizacionais e construindo uma rede de apoio sólida, podemos criar condições mais efetivas para o enfrentamento da Síndrome de Burnout.
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