“Que possamos ser mais admiradas, antes de mostrar nossa capacidade”
A bartender Ana Carla participa de um reality show e conta como é estar neste ramo dominado pelos homens
Ana Carla Lopes Leitão, 34 anos, é casada e nasceu em Tabocas, distrito do município de Exu, no agreste de Pernambuco. Sua história de vida se assemelha a de milhares de nordestinos que vieram para São Paulo em busca de uma vida melhor. Com 18 anos, ela deixou a família, com dor no coração, para correr atrás de seus sonhos. Veio morar em Limeira depois que se casou e está na cidade há 7 anos. Entre tantas atividades exercidas, Ana se formou como auxiliar de enfermagem. Porém, resolveu se arriscar em uma nova profissão, bartender. Uma área que se apaixonou depois de trabalhar em um empório.
Agora, ela encara um novo desafio. Ana participa do reality show Bar Aberto, no canal Multishow, e está entre os finalistas. O programa termina na próxima semana. No primeiro, episódio o tema era amor e ela preparou uma receita inspirada em sua mãe. “Usei o Ballantine’s para mostrar a forçar e toda a essência de minha mãe como mulher nordestina e forte. Foi assim que surgiu o drink Antonia, que é o nome dela”, disse.
Em entrevista ao Fato & Versão, a bartender conta sua história de vida e como enfrentou as dificuldades para chegar onde está hoje. Ela também ressalta a importância de as mulheres mostrarem seu potencial, principalmente em profissões onde a presença masculina é marcante. “Juntas iremos mais longe e quebraremos qualquer e todo preconceito que for direcionado a nós. Podemos mudar o mundo”.
O que significa para você participar desse reality?
Eu acredito muito em Deus e no poder da fé. Participar desse programa foi a força de acreditar que isso aconteceria, independentemente de qualquer coisa. Foi a certeza de que os sonhos que Deus colocou em meu coração continuavam se cumprindo.
Em um ramo onde a presença masculina é marcante, como foi seu início nessa atividade?
Ainda está sendo o início, mas acredito muito que aos poucos esses preconceitos estão sendo quebrados, até por que temos mulheres incríveis no ramo da coquetelaria abrindo caminho para gente que está chegando. E mesmo sabendo que é uma área dominada por homens, eu nunca me achei incapaz por ser mulher.
Você chegou a sofrer algum preconceito ou descrédito como bartender por ser mulher?
O preconceito infelizmente existe, mais não sofri, pelo menos não ainda e nem descaradamente. Acho que quando nos posicionamos e mostramos conhecimento, quando dominamos o assunto e mostramos do que somos capazes, esses preconceitos acabam dando lugar a admiração. Que possamos ser mais admiradas, mesmo antes de mostrar nossa capacidade em qualquer setor.
Como vê a presença da mulher hoje no mercado de trabalho, especialmente em profissões que sempre foram mais masculinizadas?
Ainda estamos caminhando para um cenário melhor, mais precisa de muita mudança para que esse cenário melhore. Acredito muito que ultimamente nós mulheres temos nos posicionado cada vez mais com muito mais afinco em fazer com que essas mudanças aconteçam.
(Foto: divulgação)
Voltando um pouco no tempo, conte sua história. De onde veio e como chegou até aqui?
Sou Nordestina nascida em Tabocas/ Exu, em Pernambuco. Vim de uma família muito humilde e batalhadora. Em busca de oportunidades e uma vida melhor, minha família se mudou para Castanhal, no Pará, quando eu tinha 7 anos. Somos cinco filhas mulheres e meus pais buscavam um futuro melhor para todos nós.
Morei em Castanhal até os 18 anos. Desde nova sempre tive o sonho de vir pra São Paulo em busca de meus sonhos e oportunidade também. Aos 18 anos mudei para o interior de SP. Morei em Hortolândia, terminei a escola, trabalhei em fábrica, fui faxineira, babá, cuidadora e depois fiz um curso de auxiliar de enfermagem, onde consegui várias oportunidades de trabalho. Trabalhei em farmácia e logo depois mudei para Campinas para trabalhar com pacientes a domicílio. Um tempo depois conheci o Renato, meu marido, que mora em Limeira desde que nasceu. Nos casamos e mudei para Limeira, onde estou há 7 anos.
Assim como outras pessoas que vem do Nordeste, você enfrentou dificuldades e preconceito? Como vê essa questão nos dias atuais?
Sofri sim. Imagina eu mulher, negra e nordestina? Era vista como coitada, menos capaz, tiravam sarro do meu sotaque e nem imaginavam a vontade de vencer na vida que eu tinha. Mas isso nunca me afetou. Eu sempre ria junto e nunca deixei ninguém me diminuir. Até por que acredito em minha capacidade. E nos dias de hoje tenho mais orgulho ainda do meu sotaque, de quem sou e de quem estou me tornando. Aprendi muito com minha trajetória e hoje reconheço todo esse meu poder. Esse tipo de preconceito hoje não chega em mim.
Com apenas 18 anos resolveu seguir o seu sonho e buscar melhores oportunidades em São Paulo. Deixar a família foi o mais difícil?
Já me emociono só de pensar. Deixar minha cidade, nossa cultura, amigos foi muito difícil, mas deixar minha família para trás é algo que dói até hoje. Tenho nitidamente a imagem da minha mãe me olhando partir. Isso dói meu coração até hoje. Sinto falta deles a todo momento. Mas ainda tenho muito caminho para trilhar e isso não seria possível no mesmo lugar. Estou nessa trajetória também por eles. Tenho um sonho de poder ajudar mais minha família dando uma vida melhor para eles.
Você fez curso de auxiliar de enfermagem, como chegou a sua nova profissão, de bartender, e por que escolheu essa atividade?
Mudando pra Limeira, continuei trabalhando em Campinas por um tempo, mas logo depois resolvi dar um tempo para cuidar da reforma da nossa casa. Acabando a reforma, sentia muita falta de fazer algo fora. Foi quando entrei no Empório São Francisco, que ficava dentro do Shopping Nações, comecei a trabalhar como vendedora e me apaixonei pelo atendimento ao público e pelo mundo das bebidas. Trabalhei lá um tempo e quando sai resolvi fazer um curso em Santo André com meu marido. Ele sempre me apoiou e apoia em tudo. Fizemos o curso e logo depois começou a pandemia. Por conta do isolamento, continuei fazendo drinks só que em casa, para nós mesmo, e estudando tudo que podia sobre coquetelaria.
Como vê sua vida profissional após a participação nesse reality. Diria que será um divisor de águas?
Me emociono só de pensar onde cheguei e onde posso chegar depois dessa experiência incrível no Bar Aberto. Quero muito trabalhar na área e continuar me aperfeiçoando cada vez mais, mostrando a arte que é a coquetelaria, oferecendo boas experiências para quem tomar um drink meu e montar meu próprio negócio mais pra frente. E o divisor de águas aconteceu desde o dia que entrei no reality. Espero que oportunidades apareçam e se não aparecer, vou buscar com toda minha força e paixão por essa profissão.
Valeu a pena todo esforço, dedicação e até as dificuldades enfrentadas para chegar onde está hoje?
Valeu a pena sim. Sem dúvidas! Toda dedicação e fé de que estaria onde estou e todas as dificuldades enfrentadas me fizeram ainda mais forte. Sou grata por tudo, não mudaria nada.
Qual sua mensagem para as mulheres?
Acredite em você! Faça por você! Não espere ninguém dizer do que você é capaz ou onde é o seu lugar. Somos livres, capazes, fortes, resilientes e podemos conquistar o que a gente quiser. Basta acreditar! E apoie outras mulheres, juntas iremos mais longe e quebraremos qualquer e todo preconceito que for direcionado a nós. Podemos mudar o mundo!
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