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“Transformei minha dor em amor”, diz mãe

Akiko Moromizato é mãe da Kame, que tem autismo, e luta por um mundo melhor para ela, onde somente com amor é possível enfrentar preconceitos

Inclusão social foi destaque, dias atrás, após o ministro da Educação, Milton Ribeiro, citar que “há crianças com um grau de deficiência que é impossível a convivência". Sua fala teve grande repercussão negativa, pois pareceu preconceituoso e, principalmente vindo de uma autoridade, que poderia falar sobre políticas públicas para promover a inclusão.

O tema ainda é discutido e tem muito o que avançar. Pais de filhos de com deficiência sofrem com o preconceito diariamente e enfrentam muitas situações difíceis para que seus filhos sejam incluídos, sejam tratados como as outras crianças. Um exemplo e a limeirense Akiko Moromizato, mãe de três filhas e uma delas tem autismo, a Kame, que tem 21 anos.

Akiko luta pela causa e diz uma autivista, ou seja, ativista do autismo. Ela promove palestras gratuitas para levar conhecimento às pessoas. “Falo como reconhecer as pessoas com autismo e ajudá-las no momento de crise. É uma palestra que transforma e esse é o meu papel na sociedade. É como vi um meio de ajudar a sociedade através do que eu passo transformando minha dor em amor”, afirma.

A autivista é a entrevistada do Fato & Versão. Ela comenta sobre a declaração do ministro, as dificuldades enfrentadas e como lida com o preconceito sofrido por sua filha, ainda nos dias de hoje.

A fala do ministro da Educação, Milton Ribeiro (“há crianças com um grau de deficiência que é impossível a convivência") ganhou repercussão pela falta de sensibilidade. Qual sua opinião sobre esse episódio?

Minha opinião sobre isso é que vivemos há 500 anos num país que a gente tem que combater, hoje no século 21 no ano de 2021, a homofobia e o racismo. Na fala, ele diz que antigamente as pessoas com deficiências eram largadas de lado e agora ele está dando uma oportunidade para essas pessoas. Então, o pensamento dele arcaico, divisório, não inclusivo e é extremamente hostil com os deficientes. Vendo que um secretário desse gabarito está no comando da Educação do nosso país, o que que a gente pode falar dos outros. Não querendo julgar ou generalizar, mas se uma pessoa desse escalão que possivelmente teve estudo, oportunidade e meio social, não teve conhecimento, empatia, conhecimento social, educação para com próximo e não teve amor com outro ser humano, como a gente vai se expressar sobre isso. Ele, como várias outras pessoas no nosso país, é muito deficiente de empatia, muito deficiente de olhar duas veze, muito deficiente de incluir qualquer tipo de deficiência, cor, raça, gênero, enfim ainda temos essa luta pela frente.

Acredita que falta conhecimento por parte das pessoas, como pode aparentar essa fala do ministro?

Acredito muito na falta de conhecimento porque o que a gente não conhece, a gente pode até falhar, mas não acredito na falta de como conseguir conhecimento. Vou te dar um exemplo da nossa cidade de Limeira: tenho as palestras do autivismo e quando vou fazer a palestra as pessoas ficam muito honradas, felizes e há um diálogo muito amoroso por não saber. E tem vários depoimentos de tratamentos errôneos com pessoas com deficiências de como tratou por não conhecer. Então, depois que conhece é meio que inadmissível você fazer alguma coisa assim, mas realmente a falta de conhecimento é muito grande aqui na cidade. Tento com muito esforço fazer essa palestra gratuita para que as pessoas saibam reconhecer uma pessoa com autismo e não causar constrangimento. Mesmo sendo gratuita ainda há uma imposição para receber a palestra. Tento muito com que com que as escolas, as lojas, os comércios, enfim todos possam receber isso porque a partir do momento que esses lugares recebem informação, podemos cobrar. Não que a gente não devia, mas ninguém nasce preconceituoso.

Como define inclusão social?

Incluindo. Para mim assim Jesus quando veio à terra, quando fez o planeta terra, colocou aqui seres humanos. Então, não temos distinções entre um e outro. Sou Akiko Moromizato, sou normal dentro dos padrões que a sociedade impõe e tenho a língua presa. A minha filha chama Kame Moromizato Piaza, ela é normal nos padrões que a sociedade impõe, mas ela tem autismo e isso não pode excluí-la de nada. Ela tem os mesmos direitos garantidos que eu, uma pessoa surda-muda, com síndrome de down ou cega. Todos nós temos todos os direitos resguardados porque somos seres humanos, cidadãos e estamos vivos aqui no planeta Terra. Não temos diferença um do outro, temos sim diferenças de línguas, de países, costumes, mas não entre seres humanos. Não pode haver essa separação, nem entre deficiência, nem entre raças ou entre cor e gêneros. Sou completamente contra isso. Para mim, a palavra incluir não deveria existir porque ninguém deveria ser excluído. 

A inclusão ainda é uma realidade distante?

A inclusão não é uma realidade distante, mas tem que ser vista como uma realidade, nem distante nem atual. Nós precisamos incluir as pessoas. Em tudo a gente tem que ter amor ao próximo. Falo que são regrinhas simples: se você conseguir ver o outro com amor, você não inclui, não exclui, você convive, você está junto. Essa distância que as pessoas acham quem tem, não existe. A distância está em nós. Se cada estabelecimento comercial começar a olhar todos as pessoas como seus clientes, não vai ter não inclusão nem exclusão. Se os alunos verem todas as crianças dentro daquela sala como alunos, não tem exclusão nem inclusão. Para mim o que é distante é o desenvolvimento, é o investimento em ações que possam propagar a inclusão, o junto, o unificado. Isso para mim que está distante. Vejo muitos interesses em várias coisas que dão uma visibilidade, mas não vejo interesse nessa questão, de investir nesse assunto, que deveria ser muito colaborativo. Se hoje uma mulher com uma blusa de alça na rua ela é estuprada pela roupa, se hoje o idoso é roubado pela sua idade ou maltratado, se hoje o negro apanha, se o LGBTQI+ apanha na rua, o que está faltando? Será que o que a gente esttá fazendo, está certo? Será que a gente não está faltando investir no ser humano, em comunicados, em palestra, em socialização ou em estudo sobre isso? Alguma coisa a gente fez errado, mas que ainda dá para consertar, concorda comigo?

Você sempre lutou pela inclusão na cidade, principalmente por ter uma filha com autismo. Falta mais discussão e políticas públicas em Limeira?

Quando se diz que a pessoa é autista, aí está o primeiro conhecimento base de como a pessoa que tem autismo gosta e deve ser tratada. A fala por não ter conhecimento sobre autismo, inclui médicos, secretários e outros, que falam do mesmo jeito. Ela não é autista, ela tem autismo. Falta ter um panfleto, um cartaz nos ônibus, nos postos de saúde, colocando as 10 principais características para se reconhecer uma pessoa com autismo. Falta uma palestra nos postos de saúde, nas secretarias das escolas públicas para professores, educadores, alunos e para as mães de alunos. Isso não teria um custo alto para cidade, mas teria um valor imensurável. São pequenas políticas a política, como um atendimento neuropsiquiátrico fora do Caps, que não é lugar para atender pessoas com autismo. Se as secretarias de Saúde e Educação, em conjunto com a do Esporte, entendessem o que é ter autismo jamais uma pessoa com autismo seria atendida no Caps. Falta conhecimento para encontrar uma política correta.

Quais as dificuldades que enfrentou ou ainda enfrenta no dia a dia com sua filha?

A dificuldade que enfrento com a minha filha no dia a dia são as normais. Aqui todo mundo que vive nesse núcleo de preconceito passa, mas eu transformei minha dor em amor. Hoje quando levo uma agressão, pego e tento trabalhar o conhecimento com aquela pessoa, mas ainda é difícil. Moro num condomínio há 10 anos e ainda tem sofro preconceito e olhares atravessados para minha filha. Frequento um clube há anos desde que ela nasceu, hoje ela tem 21 anos e ainda assim, dentro do próprio do clube, ela recebe olhares atravessados. Não consigo matricular ela na natação porque vai atrapalhar a turma. Tem uma academia aqui em Limeira que liguei uma vez pedindo aula para minha filha e nunca ninguém me retornou, e nós nos conhecemos. Então, isso são coisas que acontecem, a gente entra numa loja as pessoas ficam meio assustadas, a cara de pavor e susto é algo inevitável. Porém, graças a Deus, os restaurantes e lojas, que fiz a palestra, estamos tendo experiências sensacionais e não estou falando isso só por causa da minha palestra, falo pelo conhecimento. Mas a gente ainda sofre muito e lutamos todo dia para que isso seja melhor. Levo minha filha a todos os lugares e ela participa de tudo. Vou transformar os olhares dessas pessoas no segundo olhar porque a partir do momento que você olha duas vezes você vai conseguir ter uma visão mais amorosa disso.

Sua filha frequenta a escola? Como é a alfabetização dela?

Descobri o autismo na Kame muito tarde. Graças a Deus e a ciência a gente tem hoje como identificar o autismo ainda bebê. Os pais conseguem através desse conhecimento rápido colocar as crianças nas terapias e obter o desenvolvimento. A Kame foi trabalhada por uma inverdade num projeto que era mentiroso e não desenvolveu como deveria e perdeu o start dela. A pessoa com autismo tem pressa das terapias e de atendimento porque a gente não pode perder o start do desenvolvimento deles. A Kame perdeu. É por isso que hoje falo que sou autivista ou ativista da causa autista porque a Kame não vai conseguir alfabetização mais, mas quero ajudar pessoas para que possam ter a oportunidade que a Kame perdeu. Hoje, ela não é incluída na educação porque faz parte do EJA, em uma classe especial para deficientes. Ela está incluída no grupo de pessoas com outras deficiências, mas ela não tem a inclusão. A Kame não conseguiria estar numa escola, mas conseguiria, por exemplo, estar no supletivo normal com uma monitora para educação especial com ela aonde conviveria com pessoas normais, dentro dos padrões sociais da nossa sociedade, e poderia desenvolver melhor, assim como todos da classe dela, mas eles trabalham com a exclusão, com uma sala só para pessoas especiais.

Você sempre incentivou a sua filha no desenvolvimento e na educação, uma tarefa difícil, mas hoje acredito que vê o resultado de tanto esforço. Como você reage quando as pessoas sabem que ela tem autismo, pois aparentemente, ela não demonstra (não que tenha uma característica física)?

Sou um caso à parte porque quando descobri o autismo na Kame, com 7 anos, uma instituição limeirense, classificada como especialista em autismo, chegou para mim e falou que a Kame não teria oportunidades na vida, que ela não iria sorrir, não iria se e emocionar, não iria, não iria, não não não. Foi uma carreata de não e eu acreditei porque aquele ano, a Kame nasceu em 2000, nem os médicos sabiam sobre autismo. Então, foi um crescente desenvolvimento de conhecimento juntos. Nesse caso, desse centro especializado, eles falavam que a Kame não conseguiria, não poderia e que não conseguiria se alfabetizar. Então, acreditei naquilo e só depois de sete anos, com ajuda de uma equipe de pais que me ajudaram, consegui tirar ela de lá. Hoje ela faz psicopedagogia numa clínica particular, que o Intervivências, e vai ao EJA, que é onde a prefeitura conseguiu coloca-la. Faço questão que continue, não por causa do ensino porque para ela é muito difícil acompanhar, mas pelo acolhimento das pessoas que estão lá com ela e pelo esforço mútuo da equipe que está dentro do EJA e não a que está na retaguarda disso. 

A sociedade ainda é muito preconceituosa, como vê o futuro da Kame?

Vejo a sociedade ainda muito preconceituosa e não precisa ser eu para dizer para vocês. Abrimos os jornais e todo dia tem algum coisa ruim que aconteceu com alguém, que a sociedade não aceita por puro capricho, não é mesmo. Vejo ainda uma sociedade muito preconceituosa, porém vejo um futuro lindo, brilhante, amoroso e cheio de empatia para Kame porque estou trabalhando para que o mundo dela seja assim e para que o mundo das pessoas com autismo seja assim também. Acho que não tem só eu hoje, tem muitos ativistas por aí. As mães perderam o medo, a vergonha e o preconceito e estão na luta. Tem uma lei da ex-presidenta Dilma Rousseff que, no último parágrafo em letras miúdas, fala que é dever do pai e da mãe divulgar o autismo. Tomei isso para mim e como sou uma cidadã obediente, vou fazer isso para que todos tenham um futuro melhor. Educo as minhas filhas, tanto a que tem autismo como as que não tem, para mim são idênticas e iguais, para que elas não tenham preconceito. Se faço isso dentro da minha casa e as outras pessoas conseguem fazer também. É assim que a gente vai mudando uma cultura feia, ridícula, pobre de amor e de empatia que a gente tem.

O que diria para as mães que enfrentam as dificuldades com seus filhos com deficiência?

Diria para essas mães que agradeçam a Deus porque receberam um presente. Conviver com uma pessoa que tem alguma deficiência, diferente das suas porque todo ser humano tem, é uma troca de amor, de vida que a gente merece passar. Além disso, divulguem a deficiência, estude sobre ela, fale sobre ela com as pessoas, ensine as pessoas a ter amor e conviver com isso. Não se exclui, não tenha vergonha, não deixe de sair e se socializar. Se nós pais fizermos o nosso papel, que é divulgar o nosso mundo e fazer com que o nosso mundo seja o mundo de todos, é que a gente vai mudando esta realidade. Temos que aceitar o outro como ele é. Vemos cada atrocidade não é mesmo. O seu filho é a sua dádiva, então, lute, ame e divulgue a sua causa com muito amor.

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