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Após queda, Justiça do Trabalho volta a ter alta em ações por assédio

 

Advogados especializados comentam razões para alta e a importância de leis no combate ao assédio moral e sexual

Cintia Ferreira

O número de processos por assédio moral e sexual, segundo dados Tribunal Superior do Trabalho (TST), voltaram a subir a partir do ano de 2022, após queda que ocorreu a partir de 2017. Advogados especializados comentam o problema, suas causas, e a importância dos avanços recentes na legislação no combate ao assédio. Entre elas, medidas que obrigam empresas a criar mecanismos de apuração.
Dados mostram que nos seis primeiros meses de 2023, o TRT-2 e TRT-15, que compreendem o município de São Paulo, sua região metropolitana e interior do Estado, distribuíram 14.231 ações relacionadas a assédio moral – número superior a 50% do consolidado de 2022 (24.960 processos de assédio moral).
Principais fatores que levaram à redução desses processos foram a reforma trabalhista e a pandemia, no período entre 2017 e 2020. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que 46,7% das brasileiras foram alvo de assédio sexual em 2022.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a criação de canal exclusivo para denúncia de abusos no âmbito do Judiciário, praticados por magistrados ou servidores; Estatuto dos Advogados passou a considerar a prática como infração ética, passível de processo disciplinar no âmbito da OAB.
No início deste mês, 1º de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei batizado de “Não é Não”, que estabelece um protocolo de combate ao assédio em boates e casas de shows.

AVANÇOS

A advogada Carolina Carvalho de Oliveira, criminalista, especializada em Direito Penal Econômico entende que a alta nos casos mostra uma reposta da população à intolerância dos assédios e uma resposta do Judiciário quanto sua capacitação para julgamento do assunto.
“Um exemplo é o projeto “Não é Não”. Na prática, o PL mostra a força da voz e da vontade do cidadão, bem como aquilo que deve ser respeitado pela proteção da Constituição Federal”, diz.
A especialista reforça que as mulheres vítimas não devem se calar. “Devem registrar os fatos, apontar os suspeitos e mostrar sua força para encorajar a força feminina e mostrar a intolerância aos assédios em suas mais variadas formas. A esfera penal possui meios de proteção à mulher e está apta a punir os autores dos assédios mas, para isso, precisa ser provocada e pleiteada sua assistência seja por autoridades policiais, judiciais ou assistenciais. Portanto, não se calem”, reforça.

CANAL DE DENÚNCIAS

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou um canal exclusivo para receber denúncias de abusos de magistrados e servidores contra mulheres, iniciativa que vem na esteira do crescimento no número de processos relacionados a assédio sexual e moral distribuídos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos dois últimos anos. Junte-se a isso a sanção da lei que inclui no Estatuto do Advogado, como infração ética passível de processo administrativo sancionador no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a prática de assédio nos escritórios de advocacia. Aprovada pelo Congresso, a iniciativa de propor o projeto de lei partiu da própria OAB.
O criminalista Sérgio Rosenthal, especializado em crimes financeiros e ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) comenta que o assédio sexual ou moral pode ocorrer em qualquer ambiente de trabalho, sendo certo que escritórios de advocacia e os próprios órgãos do Poder Judiciário não estão imunes a este tipo de situação. “Por essa razão, é de fato imprescindível que eventuais vítimas tenham à disposição mecanismos aptos a garantir o registro e a efetiva apuração de condutas abusivas. Isso, aliás, se torna ainda mais relevante nos casos em que tais abusos possam partir de autoridades públicas e operadores do direito”.
Para ele, o número de ocorrências dessa natureza somente diminuirá no momento em que a própria sociedade melhor definir os limites que não devem ser ultrapassados nas relações interpessoais, de modo que os casos de assédio passem a ser entendidos, de fato, como comportamento abjeto e intolerável. “Nesse sentido, penso que as próprias redes sociais, com seu poder de exposição, têm atualmente um papel bastante relevante na contenção de comportamentos inadequados”.
O especialista explica que uma das características do assédio sexual, assim como do assédio moral, é que diante da ausência de reação adequada ele quase sempre se repete e se amplia. “Bem por isso, a vítima não deve jamais procurar minimizar o seu desconforto, e muito menos se quedar inerte. A legislação atual oferece efetiva proteção, o correto é denunciar e não tolerar”, conclui.

DENÚNCIAS E COMBATE

De acordo com dados da Justiça do Trabalho de São Paulo, o primeiro semestre de 2023 já registra um aumento de mais de 57% em comparação com 2022. Nos primeiros seis meses de 2023, 15.013 foram distribuídos. Esse aumento pode ser atribuído ao incentivo às denúncias promovido a partir da promulgação de duas novas leis: a primeira (Lei nº 14.457 de 21 de setembro de 2022), obrigou que todas as empresas tenham canais de denúncias anônimas de assédio moral ou sexual; a segunda (Lei 14.540/ 2023), instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração Pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
A Lei nº 14.457 alterou a CLT estabelecendo aos empregadores a obrigação de implementarem medidas internas de combate ao assédio sexual e outras formas de violência no âmbito do trabalho. A legislação inovou ao apresentar o Programa Mais Mulheres, com um capítulo dedicado às medidas de prevenção ao assédio sexual e a outras formas de violência. As medidas entraram em vigor em 20 de março de 2023.
Advogado em Limeira, Diógenes Mizumukai Rodrigues, é especialista em Direito Empresarial e professor das disciplinas Direito Tributário e Digital, e comenta a importância de avanços na legislação e os impactos do assédio no ambiente corporativo. “Quando se pensa em ambiente saudável, em que se preserve a dignidade da pessoa humana no aspecto moral e físico, isso é essencial para que a pessoa tenha suas aptidões hábeis e venha desempenhar da melhor forma suas funções dentro da organização. A ausência desse respeito gera um ambiente hostil, desconfiança e insatisfação muito grande”. O assédio moral, pontua, é qualquer tipo de exposição que coloque as pessoas em situações humilhantes e que tragam qualquer tipo de desconforto.
Segundo ele, é possível ver uma mudança gradual nessa discussão que desenvolve vários aspectos e um fator importante é a Lei nº 14.457. “Essa lei é muito importante. Entre as mudanças estabelecidas, está a obrigatoriedade de que a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Prevenção ao Assédio Sexual) responda pela adoção e pelo cumprimento de medidas e procedimentos, ações de treinamento e pela implantação de canal de comunicação e acompanhamento de denúncias”.

O advogado pontua ainda que outro aspecto importante é criação de governanças corporativas que prevejam políticas e códigos de conduta que verifiquem e punam casos de assédio. “É importante também canal independente para que colaboradores possam denunciar sem risco de serem punidas”, observa. Para ele, a alta desses processos pode indicar que os colaboradores estão mais cientes sobre seus direitos e buscando ações contra o problema. Dentro das outras obrigações trazidas pelas normas, vale destacar a necessidade de programas de capacitação presencial ou a distância para que os funcionários sejam treinados a evitar o cometimento de assédios, a existência de canais de denúncia e a introdução de boas práticas para a prevenção desses ilícitos.

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