Por ano, 73 mil pacientes do SUS ficam sem radioterapia
Em determinadas situações clínicas, a radioterapia pode ser a única forma indicada de tratamento contra o câncer. O problema é que perto de 73 mil pacientes não têm acesso aos procedimentos radioterápicos anualmente no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo relatório da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBR). Soma-se à escassez de aceleradores lineares a obsolescência das máquinas e a má distribuição delas pelo território nacional. A combinação de adversidades pode ter causado a morte de 110 mil pessoas entre os anos de 2008 e 2022, conforme levantamento da SBR.
A deficiência do sistema radioterápico ganha proporções alarmantes ao se considerar os números do câncer no Brasil. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima 704 mil novos casos para cada ano do triênio 2023-2025. Fernando Medina, oncologista clínico do Centro de Oncologia Campinas, explica que cerca de 70% desses diagnósticos necessitarão de radioterapia em algum momento do curso da doença, ou seja, 492,8 mil precisarão ser submetidos a sessões, porém, quase 15% deles não terão acesso ao tratamento essencial pelo SUS.
"A radioterapia moderna é altamente precisa, complexa e cada vez mais indicada em situações iniciais da doença. É um dos tratamentos mais antigos contra o câncer, extremamente eficiente", descreve Fernando Medina. A complexidade do procedimento, entretanto, vem acompanhada do alto custo envolvido na aquisição, instalação e funcionamento dos aceleradores lineares, o que justifica a falta de aparelhos no Brasil, aponta o médico.
Em 2022, o Centro de Oncologia Campinas adquiriu um dos mais modernos acelerados lineares em operação no Brasil, o Infinity, produzido pela empresa sueca Elekta. O custo total da implantação do aparelho foi de cerca de R$ 15 milhões, sendo que o equipamento em si foi adquirido por US$1,5 milhão (cerca de R$ 8,5 milhões).
"Antes mesmo de você ter o equipamento, é preciso pagar 40% de impostos de importação e desembaraço aduaneiro", relata Fernando Medina. O bunker que abriga o equipamento é uma estrutura robusta de concreto, blindada e também onerosa. A construção é orientada por regras da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), órgão que atua nas áreas de radioproteção e segurança nas aplicações da energia nuclear para fins pacíficos.
Superada a parte burocrática, o início da operacionalização é acompanhado de mais especificidades. "Para operar um aparelho de radioterapia, é preciso contar com técnicos altamente especializados, médicos treinados para fazer esse tipo de atendimento e físicos para estabelecer o planejamento. Você também depende de exames de imagens, como tomografias e ressonância, para iniciar a radioterapia. É um procedimento muito caro e o reembolso do SUS não dá para cobrir os custos. Tudo isso leva os hospitais a não investirem nessa área porque não há retorno", conclui Medina.
Outro problema que surge da onerosidade do processo é a obsolescência dos aceleradores. "Os equipamentos acabam se tornando ultrapassados porque também é muito caro realizar a manutenção e fazer os upgrades necessários. É fundamental estabelecer contratos para manutenção preventiva e manter as máquinas atualizadas. Quanto mais modernos os aceleradores, mais preciso e eficiente é o tratamento", confirma.
A falta de investimentos em radioterapia interfere diretamente no resultado dos tratamentos. Novas tecnologias reduzem em até 80% número de sessões para o tratamento do câncer. A precisão de entrega do feixe do Infinity adquirido pelo COC, por exemplo, permite que os tratamentos sejam realizados com uma dose mais alta de radiação. Com isso, há maior controle na eficácia do tratamento, com um menor número de sessões e maior proteção dos tecidos saudáveis que cercam o tumor. O equipamento também realiza radiocirurgia intracraniana de múltiplas lesões em apenas 15 minutos. Por meio de Radioterapia Guiada por imagem 4D, é possível irradiar de forma mais segura anatomias que estão em movimento, como o pulmão.
"É importante observar que a falta de aceleradores lineares no Brasil não é um problema isolado. Muitos desses equipamentos já estão ultrapassados, o que significa que os resultados nem sempre são os melhores possíveis. A resolução do problema envolve muitas frentes, todas elas ligadas a incentivos maiores para a implantação do serviço, como custos menores de importação e correção das tabelas dos valores pagos pelo SUS", aponta Medina.
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