Novembro Azul: “Por conta da nossa cultura machista, o homem não se cuida”
Este mês é celebrado o "Novembro Azul", voltado ao combate e conscientização do câncer de próstata, o segundo mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não melanoma) no Brasil. A estimativa mais recente aponta que são registrados mais de 65 mil novos casos da doença anualmente em nosso país.
De acordo com dados da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, vinculada à OMS (Organização Mundial da Saúde), os cálculos apontam para 1,5 milhão de novos casos de câncer e 700 mil mortes por ano na América Latina.
O câncer, assim como outras enfermidades e condições patológicas e psicológicas podem ser evitadas, identificadas e tratadas precocemente, mas grande parte dos homens não se previne. Segundo a psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, Angelita Devequi Rodrigues Traldi, esse comportamento está ligado à ideia de que o homem é um ser forte, que não pode jamais demostrar fragilidade.
"Por conta da nossa cultura de profundas raízes patriarcais e machistas, o homem não se cuida, não se enxerga e não busca o autoconhecimento. Infelizmente isso contribui para uma série de problemas de cunhos biológicos e psicossomáticos. O homem brasileiro também tem muita dificuldade de expressar seus sentimentos, bloqueando e maquiando questões íntimas que um dia acabam vindo à tona", opina a professora universitária.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já há alguns anos, nascem mais meninos do que meninas no Brasil. Contudo, a mulher representa 51,1% da população e elas vivem mais: 80,1 anos contra 73,1 anos dos homens.
Alguns dos motivos para a menor expectativa de vida do homem, segundo especialistas e estatísticas, é que eles são mais propensos a se envolver com a criminalidade, vão menos ao médico, se exercitam menos e costumam fazer mais uso de drogas e bebidas alcóolicas.
Essa combinação acaba levando a uma estrada sem saída: a descoberta de doenças já em estágio avançado, como é o caso de grande parte dos indivíduos acometidos pelo câncer de próstata (por medo ou tabu com relação ao exame de toque que detecta a doença), e até depressão e ansiedade.
Na opinião da psicóloga, a receita para mudar esse cenário é incentivar o homem a se entender como um ser que não precisa reafirmar uma masculinidade que esteja necessariamente relacionada à manutenção de uma imagem de super-herói invencível, autossuficiente e que não precisa de ajuda.
"As novas gerações de homens estão cada vez sendo mais flexíveis com relação a suas emoções, se entendendo como seres que podem sim demonstrar fragilidade, e que isso não é um defeito. Apesar dos homens ainda estarem em menor número nos consultórios de psicologia, vemos a sua presença crescendo, assim como a vontade de buscar o autoconhecimento, e essa é uma tendência que deve continuar", finaliza a especialista, lembrando ainda que a família, amigos e cônjuges são figuras fundamentais para incentivar os homens a tornarem-se mais abertos e flexíveis.
Confira:
No geral, por que os homens se previnem menos de doenças do que as mulheres?
É verdade que o homem se previne menos que a mulher. Isso é cultural. Ainda existe a ideia de que o homem é forte, não pode chorar, não pode ser fraco.
Por que o “Novembro Azul” atormenta tanto os homens?
Devido ao temido exame de toque. Apesar de tantas informações, o exame é indolor e não passa de 10 segundos, mas ainda assim, por falta de informação, o exame intimida a maioria dos homens.
Esse preconceito com o exame de toque está relacionado a masculinidade?
Sim, a cultura machista ainda existe no modelo de homem que não pode demonstrar fragilidade.
Medo e vergonha também podem estar ligados?
Com certeza. Apesar de informações que o exame é indolor, está enraizado nas emoções do homem, inclusive a vergonha, por estarmos ainda vivendo em uma sociedade machista onde a maioria dos homens fazem piadas com relação ao exame de próstata.
Com a alta letalidade, é preciso ter um “choque de realidade”?
É uma mudança que ocorrerá aos poucos, estamos caminhando para isso, demonstrando que homens têm sentimentos, que podem chorar sim e que se cuidam.
Falar sobre saúde do homem é uma oportunidade para também tratar da saúde mental. Nos últimos anos os homens passaram a se cuidar mais?
É tendência o homem se cuidar mais, é um processo que leva um tempo, mas podemos perceber que já foi dado o início para essa nova era.
Isso pode estar relacionado a geração mais jovem?
Sim, os jovens são mais flexíveis com determinados assuntos, mais abertos inclusive à sensibilidade masculina. A mulher também contribuiu para esse processo, permitindo e dando espaço ao homem desempenhar papéis antes não aceitos pela maioria dos homens.
O que é possível para incentivar o cuidado na saúde masculina de familiares?
É preciso que o homem demonstre seus sentimentos, que saiba que ele pode demonstrar sua fragilidade, que não precisa ser forte o tempo todo. A mulher pode ter participação nesse processo, permitindo que isso aconteça.
E nas empresas, como devem ser feitas as abordagens?
Assim como é necessário que o homem demonstre sua fragilidade e seus sentimentos, também é preciso que essas abordagens aconteçam de maneiras tranquilas, de forma leve, sem piadas machistas e constrangedoras.
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