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Ney Matogrosso, o “Homem com H”.


Por Farid Zaine

@farid.cultura

A primeira coisa que impressiona em “Homem com H”, cinebiografia de Ney Matogrosso, é a entrega total que Jesuíta Barbosa faz ao personagem. Barbosa é um excelente ator e, desde “Tatuagem”(2013), de Hilton Lacerda, demonstra que há talento de sobra além de sua celebrada beleza. Interpretando Ney Matogrosso, ele tem o melhor papel de sua carreira até agora. Sem imitações forçadas, Barbosa capta tanto a decantada expressão corporal do cantor no palco, quanto a serenidade do homem em seu cotidiano. 

O diretor Esmir Filho acertou em cheio ao escolher, como fio condutor da biografia de Ney, sua relação com o pai, um militar rígido com quem ele teve problemas de relacionamento desde criança. Aliás, o filme começa com o Ney menino, no meio de uma mata, já revelando a interação que ele sempre teve com a natureza, as águas, os bichos, as plantas, elementos que viriam a compor sua imagem, seus cenários, seus figurinos. 

Para os fãs de Ney Matogrosso, principalmente os que já são maduros e acompanharam sua trajetória, o filme é puro deleite. Fatos sobejamente conhecidos, como o sucesso do trio Secos e Molhados, seu rompimento com a banda e a explosão de sua carreira solo, surgem cheios de elementos sobre a vida particular de Ney, o início difícil, o sucesso, os amores. Entre os amores, claro, está Cazuza, com quem Ney teve um tórrido romance, transformado em uma amizade profunda que durou até os últimos dias do amigo e amante, vítima da Aids. Outro grande amor de Ney, o médico Marco de Maria, seria outra perda para o vírus, cuja detecção no sangue de uma pessoa nos anos 1980 já era uma condenação à morte. Não se esconde o homoerotismo sempre presente na vida de Ney Matogrosso, inclusive quando ele esteve no Exército. As cenas mais quentes, contudo, não são gratuitas, nem apelativas. Há uma respeitosa delicadeza, por exemplo, no tratamento dado aos dias finais de Cazuza e Marco de Maria, interpretados por Jullio Reis e Bruno Montaleone, respectivamente, ambos muito bons. 

Ney se revelou sempre um homem independente, livre, sem nunca ter carregado bandeiras. Sua vida, sua arte, sua presença nos palcos, sua maquiagem e suas ousadas performances, tudo isso compunha a figura com que ele demonstrava sua liberdade criativa e sua forma de expressão. A voz, de um timbre único e de uma invejável extensão, logo fez dele uma referência indispensável na história da música brasileira. Jesuíta Barbosa captou todas as nuances do homem e do artista Ney Matogrosso. 

“Homem com H” revisita não apenas a história do artista Ney Matogrosso, como faz uma leitura do período vivido pelo Brasil, da infância ao auge de sua carreira. Há uma passagem especialmente interessante, que mostra homens da Censura Federal da época da ditadura militar, questionando “movimentos impróprios” do corpo de Ney em um show. O episódio demonstra o quão ridícula era a censura, e o quão estúpidos eram os censores, o que acaba por deixar a cena hilária. 

Com um acabamento visual belíssimo, recriação perfeita de época, elenco de peso e a primorosa trilha sonora composta pelos grandes sucessos de Ney, a cultura brasileira ganha, com “Homem com H”, mais um grande filme, num momento importante do reencontro do público com nosso cinema, após o sucesso popular e os prêmios, incluindo o inédito Oscar, de “Ainda Estou Aqui”.

Ao final de “Homem com H”, a plateia sente um irrefreável desejo de aplaudir, como se estivesse saindo de um dos magníficos shows do cantor, dessa vez carregando também uma lição: o importante é viver a vida de forma plena, livre, independente, sem se deixar ferir e sem ferir ninguém. Que bom que Ney Matogrosso, esse homem com H, hoje aos 83 anos, continue a repartir conosco sua arte e sua história, e que Esmir Filho tenha escolhido contar essa história no seu filme. 

HOMEM COM H (Brasil, 2025) – longa de Esmir Filho com Jesuíta Barbosa, Hermila Guedes e grande elenco. Em cartaz nos cinemas.

Cotação: *****ÓTIMO

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